A constituição de uma pessoa jurídica é, em regra, uma forma legítima de proteger o patrimônio pessoal dos sócios. Contudo, essa blindagem não é absoluta. Em determinadas circunstâncias, a legislação brasileira permite que os bens pessoais dos sócios ou administradores sejam utilizados para quitar dívidas da empresa. Esse mecanismo é conhecido como desconsideração da personalidade jurídica.
Essa é uma questão essencial, sobretudo para quem está à frente de empresas familiares ou ocupando cargos de gestão em negócios em crescimento.
O que diz a legislação?
A possibilidade de responsabilizar pessoalmente os sócios e administradores está prevista em:
- Art. 50 do Código Civil: trata da desconsideração da personalidade jurídica quando houver abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial;
- Art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (CDC): admite a desconsideração sempre que houver má-fé, fraude ou abuso de direito, inclusive sem a necessidade de prova de insolvência da empresa.
A Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) reforçou a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, mas também deixou claro que o abuso de direito pode afastar essa proteção.
Situações que permitem a responsabilização
- Desvio de finalidade: Quando a empresa é utilizada para fins pessoais ou alheios à sua atividade principal.
Exemplo: Empresa criada para prestar serviços de engenharia, mas utilizada para adquirir bens em nome dos sócios, burlando obrigações pessoais. - Confusão patrimonial: Mistura indevida de bens e recursos entre a empresa e os sócios.
Exemplo: Sócio utiliza conta bancária da empresa para pagar despesas pessoais, como escola dos filhos ou viagens particulares. - Abuso de direito: Quando há atuação com má-fé, excesso de poder ou violação de normas legais e contratuais.
Exemplo: Realização de contratos fictícios para simular prejuízos ou esconder lucros. - Fraude contra credores: Uso da empresa como escudo para evitar o cumprimento de obrigações.
Exemplo: Sócio transfere os bens da empresa para terceiros antes de uma execução judicial.
Responsabilidade dos administradores
Mesmo sem integrar o quadro societário, o administrador pode ser responsabilizado pessoalmente por atos praticados com culpa ou dolo, especialmente se extrapolar os limites legais ou estatutários de sua atuação.
A jurisprudência tem reconhecido a responsabilidade do administrador por:
- Omissão na escrituração contábil;
- Distribuição disfarçada de lucros;
- Não recolhimento de tributos;
- Simulação de contratos para ocultar patrimônio.
Como prevenir?
Algumas medidas podem fazer a diferença na proteção do patrimônio pessoal:
- Elaboração criteriosa do contrato social;
- Separação rigorosa entre finanças pessoais e empresariais;
- Implantação de programa de compliance;
- Formalização de decisões societárias por meio de atas;
- Acordo de sócios bem estruturado, especialmente em empresas familiares.
Conclusão
Blindar o patrimônio não significa apenas abrir um CNPJ. Exige atenção à gestão, planejamento jurídico e compromisso com a legalidade. A responsabilidade civil dos sócios e administradores deixou de ser um tema exclusivo de grandes corporações. É uma realidade que bate à porta de pequenos e médios empresários — e o preparo pode evitar prejuízos pessoais e comprometer um legado que levou anos para ser construído.